sábado, 16 de agosto de 2008

Amor não se verbaliza no tempo

E quem um dia irá dizer que existe razão para as coisas feitas pelo coração?

Oi... Feliz aniversário! Não, não fala nada, só ouve... tô ficando louca!... não sei o que tô fazendo, me sinto ridícula, eu, eu... me sinto a Vera Fisher... sabe a Vera Fisher com o Felipe Camargo? Não! Você não sabe, porque não é do seu tempo...
Aff, nunca pensei em falar isso: "Não é do seu tempo. É um sinal de que eu tenho que te esquecer... e esse tempo, você acha que eu vou conseguir suportar o tempo passar? Não, você não tem que achar nada, porque eu não te pedi pra falar.
Você só vai ouvir... eu tô me sentindo ridícula... eu acho que eu já falei isso... eu comprei um All Star pra você... e o pior, comprei um pra mim também! Sabe o que eu fiz ontem? Eu baforei dentro do meu carro fechado e escrevi nossos nomes no retrovisor!
Eu, eu... outro dia eu escrevi com o suor da cerveja o teu nome na mesa. Daqui a pouco vou comprar papel de carta colorido... Oi? O que é papel de carta? Ai... Pára de falar... Eu não ouço mais ninguém... Sabe de uma coisa: caguei pra opinião dos outros.
Por que você não pode me dar nada? Quem disse que eu quero alguma coisa? Quer dizer... eu quero sim, quero você pra mim! Eu não tenho que ter medo de perder você para uma menininha da tua idade, porque você tem que ser muito idiota em me trocar por alguém da tua idade... E outra: eu achava lindo a Vera e o Felipe, a Elba e o Gaetano. Eu só queria"...

Desligou o telefone assim que o avistou na esquina. Esperou impaciente fora do carro, na chuva. Sentiu-se jovem, livre, feliz. Como saída de uma daqueles livros cafonas com nome de mulher e desenhos de casais se beijando na capa. Ele desceu, riu e descobriu porque nunca a tinha visto de cabelos molhados. Ela descalça com os sapatos na mão esperou que ele corresse em sua direção.
Conheceram-se através de um amigo em comum. Tinha saído ferida de um relacionamento desgastante. A última coisa que queria naquele momento era se envolver com alguém. Costumava dizer, como na música, que: "Seu mundo estava fechado para visitação".
Na pracinha que costumava ir aos sábados com amigos ela acabou reencontrando um que há muito não via. Mal olhou para os lados e não deu muita importância a quem o acompanhava. Cumprimentou-o com um "oi" simpático e nem chegou a trocar um beijo no rosto. Em um daqueles típicos dias de outono em que amanhece frio e no meio da tarde o calor já se tornava escaldante, a cerveja servia como ótima parceira.
Com tantos amigos ao redor ela pouco pôde dar atenção a alguém específico, no entanto, as poucas palavras que trocaram foi suficiente para despertar o interesse dele e, no final da noite, já em casa, recebeu uma mensagem pelo celular: "Câncer combina com Aquário? rs. bjs F.R."
Demorou até lembrar de quem se tratava, depois se surpreendeu dele saber até qual o seu signo. Passada a empolgação repentina de mensagens recebidas num sábado à noite, o esqueceu e deixou de lado, até que no dia seguinte, depois de assistir a um espetáculo de teatro, o acaso colocou novamente os dois frente a frente.
Juntaram as mesas e com tantos amigos reunidos, a cadeira estrategicamente posta ao lado dele fez os outros ficarem a parte e por muito tempo eles não viram as horas passarem. Riram e se divertiram muito com as afinidades e com tantas outras coisas em comum, com exceção de um fato: ela tinha quase dez anos a mais que ele.
Ele havia deixado ela encantada, boba. Mas uma balzaquiana, embora telespectadora assídua de Sex and the City, que se preze tratou de catalogar os prós e contras no seu caderninho e depois de muitas conversas com amigas passou a recusar suas investidas em ir ao cinema, responder os recados no orkut ou atender suas ligações.
Se a astrologia ela seguia a risca, reconhecer o acaso e dar uma ajudinha para o destino faria a diferença. Foram inúmeras às vezes em que se encontraram sem marcar nada, e não por vontade própria, os amigos em comum foram aumentando e tornou-se quase impossível ficarem sem se ver com freqüência. Cada dia que passavam juntos ela ficava mais encantada com sua vontade de viver, com sua maturidade e seu despudoramento em ser feliz. Era claro que ele a fazia sorrir.
O primeiro beijo aconteceu na fila para o banheiro da boate. A atitude partiu dele e como ela tinha bebido um pouco além da conta, sumiu no meio da festa assim que suas bocas se separaram. Ficou dias sem atender e responder seus recados. Tinha medo de se entregar, de se machucar.
Na véspera do aniversário dele, ela deixou na portaria do seu prédio um embrulho com um tênis e um CD que ela mesma gravou com músicas que eles gostavam. Deixou em um horário que sabia que não correria o risco dele aparecer e surpreendê-la por lá. Ficou na esquina, dentro do carro. Viu a hora em que o porteiro o entregou. Chegou a deixar o telefone desligado e à meia-noite, não resistindo, ela ligou.

http://www.guiadasemana.com.br/noticias.asp?ID=15&cd_news=41700&cd_city=1

Chega de Saudade!

Tema recorrente em todos os meus textos e conversas, palavra que os brasileiros se orgulham de constar somente no nosso dicionário, a saudade é um sentimento que não possui antônimo nem sinônimo, é aquela que se adapta às coisas boas.
Hoje, como referência juntei três fatos, direta ou indiretamente a saudade me aponta e segue como fio condutor para esse texto.
Gosto de ir ao cinema sozinho. Claro que dividir uma sessão com alguém é uma delícia, mas também não me incomodo de pegar meu caneco de pipoca, me esparramar na poltrona da sala escura sem ninguém ao lado. Na semana passada resolvi pegar a última sessão de uma quarta-feira. Optei por Chega de Saudade da Laís Bodanzky. Pouca gente na platéia por causa do horário, mas ambiente melhor impossível pra acompanhar aquela história.
Filme lindo simples e por isso achei tocante. Me vi naquelas pessoas. Naquele salão entre uma dança e outra você vê a saudade de alguém que se foi, de alguém que queria ter sido, de um abraço que não foi dado. O nome do filme cabe como uma luva.
Sempre vi a velhice com olhos de melancolia, cada ano que passa sinto saudade de algo ou alguém que passou e fica apenas na memória. Confesso que tenho medo de viver do passado, vivo muito o presente, intensamente, mas volta e meia me policio em não ficar recordando o que já foi. O complicado é que adoro ouvir música antiga, até de um tempo que nem é meu, e música pra mim é a verdadeira máquina do tempo. A saudade vem a galope.
Falando nisso, já cheguei na fase de falar: - Isso é do meu tempo. A conversa com um amigo foi outro fato que me levou a escrever. Ele morou fora do Brasil e não nos víamos há mais de dois anos. Depois de colocar os papos em dia ficamos recordando um tempo em que trabalhamos juntos e discutimos sobre a saudade. Ele me colocou como referência o filme Paulinho da Viola -Meu tempo é hoje, nele o Paulinho fala justamente sobre aquela frase "no seu tempo", que costumamos usar para referirmos a uma época que já passou, que uma pessoa já viveu. "Ah, mas no meu tempo era diferente, no seu tempo" Ele diz que o tempo dele é hoje, pois ele ainda vive tudo, e que ele não tem saudade do passado porque o seu passado está sempre com ele.
Interessante ver a saudade como algo físico, presente. A melancolia causada pela lembrança, saudade resume muitos sentimentos. Às vezes escrever apenas "Saudade" pra alguém já é o suficiente pra demonstrar a mistura de um sentimento que unem tantos outros num só.
O último fato pra mencionar aqui é a música tema dessa coluna, título do filme e do bolachão que originou o movimento Bossa Nova. Aproveitando os cinqüenta anos recém completados, essa em especial mistura sentimentos de perda, distância e amor que o dicionário defini esse sentimento que ora nos coloca um sorriso involuntário no canto da boca, ora deixa nos olhos uma lágrima que ameaça cair.
Sinto saudade de amigos que passaram, parentes que se foram, da minha mãe que mora longe, de conversar no final da noite com meus irmãos, da infância que passou rápido, do tempo que não precisava pagar contas e sobretudo de alguém que nunca fui e queria ter sido. Mas chega de melancolia! Vou seguir o que o Paulinho fala e viver mais o presente. Li certa vez que o ser humano passa mais da metade da vida pensando no passado e no futuro e deixa de viver o hoje. Vou deixar pra recordar músicas e fatos num salão de baile daqui a alguns anos. ... Dentro dos meus braços, os abraços Hão de ser milhões de abraços Apertado assim, colado assim, calada assim ...

O riso e o risível

Outro dia, esperando o ônibus na rodoviária voltando do meu espetáculo, sentei ao lado de um grupo de pessoas e me senti o sujeito mais mal humorado do mundo. Era uma terça-feira à noite e, passava na TV o programa Toma lá dá cá. Eu não entendia aquela comoção de risos e eu parado, assistindo aquilo ia ficando era cada vez mais irritado.
Minha apresentação tinha sido ótima e eu só queria ir pra casa descansar. Mas aqueles minutos antes de chegar a hora de embarcar fez o tempo parecer uma eternidade.
Divido o apartamento com um amigo que precisa de 15 minutos antes de dar um "bom dia". Sei o que é acordar às vezes com a "pá virada". Mas hoje é difícil alguma coisa me tirar do sério, normalmente levo a vida numa boa. Conversando com outro amigo sobre a história da rodoviária, ele comentou um fato parecido. Recentemente ele deu de presente para o pai, que adora programas de humor, um DVD do espetáculo Terça Insana. Ansioso com a reação dele, colocou de imediato para assistirem juntos, e enquanto ele morria de rir com quadros que já assistira uma dezena de vezes, o pai sequer mexeu um músculo do rosto.
Longe de ser uma questão de gosto, acredito que o chamado humor inteligente está cada vez menos prestigiado. Não sei se existe uma classificação para tipos de humor, eu vejo dessa maneira. Parece que cada vez mais as pessoas querem rir sem pensar, parece que voltamos aos estereótipos da Comedia Dell´ arte com o sujeito bonachão, o avarento e o corno que por si só já fazem rir de cara, independente de abrirem a boca.
Programas de humor para TV como Comédia da Vida Privada, Os Aspones, O Sistema e tantos outros do gênero não têm vida longa. O humor popularesco é a bola da vez. É o humor fácil, entregue de bandeja.
Há quantos anos existe o Zorra Total? O que são aquelas risadinhas gravadas postas depois daqueles bordões bobos com atores tão caracterizados que você nem os reconhece quando não estão em cena.
Falo em caracterização porque se eles usam desse artifício e fazem humor, queria entender porque um ator do porte do Chico Anysio é considerado ultrapassado? Qual a diferença entre ele e o Tom Cavalcante? Vai ver todos sabem a resposta: um é o criador, outro é a criatura.
E sou da época em que Os Trapalhões eram quatro e eu morria de rir daquelas situações que ainda hoje o Didi Mocó tenta continuar, mas não me faz parar nem cinco minutos no mesmo canal. Não sei se a faixa etária tem a ver com isso, o humor inocente dele não me atinge mais, não sei se estou velho ou sem paciência pra certas coisas. Mas meu porteiro é um senhor de 60 anos e morre de rir! E morro de rir dele morrer de rir.
Não é de hoje que me pego irritado com certas coisas. Festa infantil não faço mais, de jeito nenhum. Tenho vontade de dar uma bica naquele animador com voz infantil que fica pulando com roupa colorida. E aquelas fantasias de bonecos que não te deixam respirar? As crianças estão cada vez mais violentas, menos inocentes, mais mini-adultos. Elas socam a tua cabeça até você dar um beliscão nelas e abrirem o bocão e o pai nunca mais te chama pra animar nada.
Engraçado, usando esse trocadilho infame, mas meu espetáculo usa do chamado humor inocente dos Trapalhões e fico admirado com a reação das pessoas. Se estivesse na minha platéia, eu certamente seria o chato que fica de braços cruzados querendo entender o porquê de tanta risada.
Queria poder me desprender de certas malícias que deduz o final de uma piada ou mesmo fingir que não sabe. Tenho saudade de ir ao circo e comprar aqueles palhaços que saem de dentro de um cone pra guardar como recordação. Talvez seja isso, hoje vou procurar um picadeiro, comprar um saco de pipoca e esperar o momento do palhaço entrar em cena.

Despedida

Na mesa do canto, sentada ao lado do bar ela descansou o corpo exausto, cerrou os olhos e com um sorriso sereno ficou ali até se darem conta de que tinha partido.
Acordava pontualmente às sete e trinta da manhã todos os dias. As sandálias de tecido ficavam embaixo da cama, do lado direito, onde sempre dormiu, próximo à janela.
Enquanto descia as escadas ouvia o latido do cachorro, um basset branco que já a acompanhava há mais de uma década. Os latidos se tornaram fracos e o olhar ficou perdido com o tempo. Enquanto a procurava pelo cheiro, ela afagava sua cabeça com as pontas dos dedos.
O casamento durou cinqüenta anos. O marido era oficial da marinha e se conheceram no interior de São Paulo, durante a temporada do seu grupo de ballet naquela cidade. Até que sua transferência fosse definida para o Rio de Janeiro, trocaram cartas apaixonadas por longos dois anos.
Costumavam passar as tardes de sábado passeando ao redor da lagoa Rodrigo de Freitas e emendavam com uma paradinha na Confeitaria Colombo para degustar um petit four. Demorou até que seu pai permitisse que fossem sozinhos ao Cine Odeon, antes só com a companhia da irmã mais nova de treze anos.
Depois do casamento as sapatilhas foram penduradas. Cinco meses de casada e já esperava o primeiro dos três filhos homens que tivera. A ausência do marido fora sentida, inclusive, na hora do primeiro parto por conta das viagens que duravam meses.
A solidão sempre acompanhou sua vida quando ia sozinha para o quarto depois de colocar seus filhos para dormir. Isso durou até a aposentadoria dele. Até então ela cuidava de tudo, da casa, da escola das crianças, do encanamento estourado e das negociações do preço de carne no mercado.
Todo último sábado do mês ela deixava os meninos com sua mãe e dizia ir à igreja para a reunião mensal da paróquia. Pegava a lotação e ia ao centro da cidade assistir ao corpo de ballet no Teatro Municipal. Os olhos marejavam e as mãos suavam, enquanto as cadeiras eram ocupadas. Ela sentava na terceira fileira, cadeira número 8. As lágrimas caíam sem seu controle, assim que as luzes se apagavam após o soar do terceiro sinal. Acabava o espetáculo e ela ficara ali por alguns minutos, em êxtase.
Após a reserva do marido, seus passeios de fim do mês acabaram e seu segredo ficaria guardado, as únicas provas estariam restritas a uma caixa de sapatos dentro do armário com todos os canhotos dos ingressos. Viveu para atender aos caprichos que a velhice impusera àquele homem alto, cheio de manias e que encarava suas rotina com rigor militar.
Acordava antes dele, fazia o café, preparava o almoço e no final da tarde colocavam as cadeiras de madeira na porta para observar o movimento da rua antes de assistir ao jornal da noite e deitarem às 22 horas, como de costume. E foi num final de tarde, com o crepúsculo no céu daquele outono, depois que voltara da cozinha com a xícara de café que ela encontrou seu amor que a acompanhou por toda a vida dormindo profundamente com os pés erguidos na cadeira da frente. Seu sorriso foi embora com aquela despedida.
Os filhos, já todos casados, tentaram convencê-la a ir morar com um deles, mas ela sempre independente, preferiu dividir com seu cão de estimação a casa grande no bairro de Santa Tereza. Os netos a visitavam aos domingos junto com os pais, mas assim que se tornaram adolescentes a freqüência diminuía a cada mês. Ao final somente Fábio, o filho mais novo almoçava com ela as terças e quintas por conta da proximidade com seu trabalho. Os outros dias da semana sentava sozinha, sempre com a postura ereta na mesa do canto em um restaurante simples perto de uma pracinha no final da rua.
O convite veio por telefone, a neta mais nova ia fazer apresentação de fim de ano na escolinha. Ela, vaidosa, arrumou-se cedo e sentou-se no banco de trás do carro do filho do meio, enquanto a nora ia na frente falando ao telefone móvel e mal a cumprimentou, como de costume.
Em meio a pais disputando o melhor espaço para as fotos, ela ficou no canto em pé e viu naquela criança ainda desajeitada um retrato de si mesma. A menina compenetrada mal olhava para a platéia e exercia com extrema competência os passos e a coreografia daquela atração. Ao final recebeu um beijo e um afago da neta que antes de falar com os pais veio correndo ao encontro da avó saber sua opinião.
Voltou já à noitinha e em vão após o asseio noturno foi para a cama. Perdeu o sono, acendeu a luz do quarto e com dificuldade tirou uma caixa de papelão encapada com papéis floridos. Lá, fotos amareladas, laçarotes, os canhotos dos ingressos e a sapatilha gasta enrolada com a fita de cetim branca. Durante uma semana ela desfez-se de móveis, roupas e contratou uma pessoa para limpar a prataria e encerar o piso da casa.
No sábado pela manhã, deu um banho demorado no cão, o secou com secador e permitiu que ele ficasse no seu quarto até o começo da noite. Tomou um banho demorado, penteou com esmero os cabelos finos e prendeu com um dos laços fazendo um coque atrás da nuca. Colocou meia-calça cor da pele, anágua e separou o vestido preto com brilho que usou no casamento de um dos filhos. Um pouco de colônia nos pulsos e no pescoço, pó de arroz no rosto, blush nas bochechas e um batom discreto nos lábios.
Deixou o cão na vizinha e deu um beijo demorado na sua cabeça, o táxi a esperava na porta.
Ouvia a música alta na esquina antes de chegar aquela casa com escadaria íngreme. Assim que alcançou o último degrau avistou o piso quadriculado em preto e branco, a orquestra ao fundo, corpos suados e saias rodadas com o movimento dos ritmos. Respirou fundo. Os olhos brilharam e foi em direção à pista com um sorriso que ensaiava sair no canto da boca há exatos 50 anos.

Cartão Postal

Como típico morador já cúmplice da loucura institucional das metrópoles, às vezes paro pra pensar e entendo perfeitamente a aversão de certas pessoas com manifestações culturais distantes do nosso dia-a-dia. Isso inclui, por exemplo, assistir mais um daqueles filmes que retratam cenários e personagens com sotaques caipiras ou nordestinos. É o que chamam "Brasil pobre", o retrato de um país que incomoda àqueles que não se identificam com o que está sendo mostrado nessas histórias.
Entender claro, está longe de aceitar o descaso com esse tipo de comportamento. Renegar qualquer manifestação cultural por falta de identificação, é deixar de lado o prazer em conhecer e desvendar nossas origens.
Nas últimas semanas tenho tido o prazer em levar um projeto pra dentro do sertão nordestino, "Pra lá de onde o vento faz a curva". Parece que entro nas lentes de uma câmera do Glauber Rocha, me sinto um personagem de Ariano Suassuna, ou às vezes, acho que estou procurando o pai do Josué do filme Central do Brasil. Conhecer as capitais nordestinas com cenários típicos de cartão postal com fotos de coqueiros, mar de água cristalina e dunas desérticas nem de longe mostra o que o nordeste tem de melhor: o nordestino.
O choque cultural é significativo. Ao mesmo tempo em que assusta, fascina. Essa denominação de pobre, certamente deve ser indicada pra quem a criou. Claro que quem está acostumado com a comodidade dos serviços de uma cidade como São Paulo, deve no mínimo se encher de paciência e ir despido de qualquer frescura. Há muito tempo, encenei o espetáculo Morte e Vida Severina. Hoje vejo que tolice foi aquela minha composição, conversar com o porteiro do meu prédio certamente não serviu patavina para entender aquele retirante que fiz nos palcos.
Aqui, "Da Bahia pra cima é tudo baiano". Como 90% da população dessa cidade, não nasci em SP e sempre me incomodou esse preconceito e ignorância de muita gente com mais esse ditado, no mínimo, segregador. Ninguém sai da sua terra porque quer. Essa massa de migrantes nordestinos que deixou o sertão em busca de melhores oportunidades na cidade, aumentou o número de miseráveis nos centros urbanos, que os trata como ninguém.
Já disse que não me proponho a fazer um texto jornalístico, gosto de dar um parecer superficial sobre algum assunto. Tenho enfrentado uma rotina intermodal, que vai desde os meios de transportes "civilizados" até charrete de jegue. E isso só me enriqueceu como artista. Me sinto um representante da Comedia Dell´arte tupiniquim do século XX, um artista mambembe fajuto.
Escreveria páginas sobre cada personagem que tenho encontrado lá.
Mas isso eu deixo guardado no meu baú. Tem uma música da Adriana Calcanhoto que acho a cara dessa jornada: Esquadros. Aquelas senhorinhas com batas floridas, sotaque carregado, ora discutindo a filha "pra frente" adolescente, ora jogando cartas nas cadeiras devidamente alinhadas na porta da casa ou alimentando uma fofoquinha sadia sobre a vizinha, cachorro, papagaio, etc. Isso claro antes da novela das 9, ex-8 horas, começar.
A igreja imponente no centro da praça principal, os senhores com sandálias de dedo e chapéu de couro tomando pinga no bar da rodoviária. Aquelas pessoas simples que ao perguntar o nome, informam o sobrenome de supetão, definitivamente me enriquecem como ser humano. Esse, típico de metrópole que anda desconfiado de todos que passam ao seu lado. Que a cada dia se distancia das ruas com medo de seus pares, tem a chance neste trabalho de marcar um encontro por meio da arte com esse povo.Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome, cores de Almodóvar, cores de Frida Kalo, cores...

Todo artista deve ir aonde o povo está!

Meu ciclo de amizade está envolto por muitas pessoas que mantém uma relação direta ou indireta com a arte. Embora, claro, tenho amigos que trabalham em outras áreas, pessoas que involuntariamente ainda tem um conceito glamourizado da nossa profissão. De forma alguma eu os culpo, pelo contrário, entendo perfeitamente esse preconceito.
Não sou jornalista e nem tenho a intenção de dar esse caráter ao texto. Não farei uma pesquisa aprofundada no porquê desse conceito, mas quero discutir um pouco a minha opinião a respeito.
Já mencionei certa vez que essa coluna é absolutamente terapêutica e C-L-A-R-O que não ia perder a oportunidade de usar esse espaço e, esse tema, pra extravasar esse enchimento de saco que é pra mim e, acredito, pra outros colegas essa cobrança em cima do que é SER artista no nosso país.
Semanas atrás tive a grata surpresa de ver a consagração internacional de uma atriz que está longe de sair em revistas, com a boca repuxada e o cabelo com aplique, parecendo uma boneca velha abrindo as portas da sua casa de praia. Consagrar a atriz Sandra Coverloni num festival como o de Cannes, é premiar uma artista que nunca atraiu mídia por escândalos com marido ou por ser protagonista de novela das oito. Grandes artistas não se fazem por esse meio, pelo menos eu acredito. Algumas juntam as duas coisas, mas quase sempre ouvimos aquela frase: "Que pena tão talentosa e se acaba em drogas, rouba lingerie, briga com o diretor".
Nunca esqueci de uma entrevista da Fernanda Montenegro, em que ela, perguntada qual o conselho pra quem estava começando disse: "Desista". Eu, em começo de carreira, fiquei muito mal com aquilo, cheguei até a ficar com raiva dela. Olha que bobagem! Acreditava que alguém de tamanha representatividade e destaque, tinha por obrigação incentivar de outra forma quem estava começando. Mal sabia o que me aguardava. Revistas que vendem imagens de uma parcela mínima da classe, que vive nesse universo cheio de glamour, novelas recheadas de histórias que hipnotizam donas de casa cansadas da sua vida repetitiva.
Diversos outros fatores contribuem pra criar essa fantasia em que resolve se aventurar nessa profissão. O dia-a-dia é bem diferente. Quando você se vê diante de um batalhão de pessoas disputando um papel no comercial de loja popular, com uma plaquinha constrangedora com seu nome, idade e altura (ai) depois de puxar muito o saco da moça da agência pra te chamar e de ficar horas esperando pra agüentar um diretor mal educado, um maquiador estressado e uma produtorazinha (isso mesmo, bem no diminutivo) você vê a relação cruel que um ator pode ter como um produto. No entanto, precisamos pagar contas. Os programas dominicais são deprimentes, mas tenho que confessar que até gosto do quadro Arquivo Confidencial do Faustão. Quem nunca se imaginou revendo sua carreira no lugar daquelas pessoas? Inclusive essa é uma frase clássica desses amigos que citei no começo da coluna: "Um dia vou falar de você no Faustão".
Já entoei mantra em um idioma que não existe, me vesti de palhaço com uma roupa que certamente me deixou estéril. Já fui o praga da Xuxa (eu vou me arrepender disso), marido traído em comercial de cerveja e gerente de banco vendendo seguro fiança. Isso pra não falar de outras coisas. Mas não quero tornar isso depressivo.
Calma, só coloquei o lado ruim. E antes que me acusem de frustrado, digo que a pressão da família, das pessoas que me esperam ver na novela das oito não é suficiente pra estragar o que a arte significa pra mim, despertar a fantasia de uma criança, transformar a vida de alguém que se dispôs a sair de casa e embarcar na minha viagem, nem que seja por algumas horas, ter o privilégio de viver nessa vida tantas outras e sobretudo pisar num palco está acima de tudo isso. Definitivamente, não tem preço.
Ver uma atriz como a Sandra ser premiada, é premiar todos esses artistas que batalham pra levar um pouco de arte a todos ou a poucos que conseguimos atingir. E antes que isso vire uma extensão de comercial de cartão de crédito, eu me despeço. E viva a arte. Até a próxima.

Tudo Sobre Minha Mãe

Minha mãe é parente do Pedro Almodóvar
.Já mencionei uma vez que não tenho pretensão alguma em tecer críticas a espetáculos em cartaz na cidade, deixo isso para os meus colegas. Como minha coluna está em "Artes e Teatro" e não em "Comportamento" aproveito para usar um assunto que leve a outro. Mato dois coelhos.
Recentemente vi as duas versões de Senhora dos Afogados que está em cartaz em São Paulo. Considerações sobre elas à parte, a peça é baseada na obra Electra Enlutada do dramaturgo norte-americano, Eugene O´Neill. Moema, personagem principal da peça de Nelson Rodrigues, deseja um pai vivo e odeia sua mãe que é sua principal vítima.Assustadoramente virou assunto corriqueiro nos noticiários, manchetes de filhos que matam pais e vice-versa.
Estou longe de querer discutir psicologicamente os motivos que levam um filho a odiar sua mãe, afinal nem tenho cacife pra isso. Com a proximidade do Dia das Mães acabei refletindo bastante sobre esse assunto. Aliás, muitos motivos me levaram a querer falar dessa figura que decididamente com diferenças ou semelhanças é tão importante em nossas vidas.
Ultimamente revisitei a obra de Almodóvar e não poderia deixar de lado o filme que intitula essa coluna. Uma obra-prima recheada de personagens que trazem algum significado novo, uma reflexão ou dão força para um enredo em que o drama de uma mãe que sofre com a perda de um filho comove, apesar da sinopse inusitada criada por esse mestre. Inclusive esse é um cara que entende e colore como ninguém as mulheres, principalmente as mães. As mulheres criadas por ele constroem um mundo à parte, a presença masculina não faz falta nenhuma. Mães que rendem filmes alegres, divertidos (mesmo sendo mais melodramáticos) e coloridos. A minha, com certeza, saiu de um filme dele. Ainda é cedo, estou procurando provas, mas um dia divulgo na imprensa que existe parente direto de Pedro Almodóvar no Brasil: minha mãe.
Peço licença aos senhores, mas precisava falar dela aqui. Embora esse Gonzalez seja espanhol, sempre tive sérias dúvidas se não era mexicano, mas vendo os filmes dele tive a certeza que essa ligação existe. Aliás ontem minha mãe me ligou chorando porque em uma das minhas colunas eu descrevia um sonho que tinha com meu enterro. Mandou-me imediatamente arrumar minhas malas e voltar pra casa, porque onde já se via isso, ficar falando da minha morte. Eu devia estar aprontando alguma. Aliás, só as ligações dela pra mim nesses oito anos que saí de casa renderiam filmes com várias continuações, tipo Guerra nas Estrelas e seriam campeões de bilheteria.
Quando não me conta em detalhes o que se passa com meus irmãos, ela me liga para:
• Dizer que eu não a amo mais porque estou há quase uma semana sem falar com ela (eu ligo todo sábado, mas ela não agüenta e me liga no meio da semana);
• Liga chorando em datas comemorativas ou aos domingos dizendo que lá em casa tem tanta comida e eu aqui em São Paulo comendo macarrão todo dia.
• Me conta suas novas amizades na academia, pois agora ela divide as atenções com o pessoal da hidro e o pessoal da musculação.
Claro que, depois de ler essa coluna ela vai dizer que eu to mangando dela e vai ficar sem falar comigo - deixa eu ver... umas duas horas -, mas minha mãe é aquela que não é perfeita mas pra mim é, que me ama sem pedir nada em troca, que me acha o mais bonito de todos, o melhor ator de todos, o melhor colunista. Minha mãe sempre usou a síndrome de Pollyana, pois, enquanto eu era adolescente, ficava puto porque não tinha crescido mais e ela falava "o Nelson Ned é menor que você!" (isso me deixava tão bem...). Nesses anos todos, ela me recebe no aeroporto, mas nunca se despede.
Eu chego de viagem e no meio da minha mala sempre tem pasta de dente, sabonete e cotonete escondido no meio das minhas roupas - eu tenho um estoque. Ela guarda roupas da minha irmã quando era criancinha, as medalhas do meu irmão e os meus desenhos que eu insistia em dizer que era ela aquele monte de rabiscos coloridos.
Nunca fui um filho perfeito, tô longe de ser. Deveria ter um ranking das frases que as mães mais nos falam em vida. Uma delas seria "quando você não me tiver por perto vai sentir minha falta". Batata Nelson! Quando está frio, quando estou doente, quando me sinto feio, sozinho ou mesmo sem motivo algum eu sinto falta dela. Quando me despeço das ligações ela diz "já vai desligar? Mas eu que liguei, eu que tô pagando, pode falar comigo!". E pra terminar bem mexicano e melodramático nada mais original do que declarar aqui meu amor por ela. Agora depois dessa coluna ir ao ar, quero saber que filme isso vai render.