sábado, 16 de agosto de 2008

Eu preciso dizer que te amo...

O tempo mudou de repente. A casa era abafada, quente e ela sentiu necessidade de sair logo. Enquanto caminhava em direēćo a casa dele, suas mćos ficavam cada vez mais śmidas, o coraēćo batia em ritmo acelerado e o peito cada vez mais sem ar. Carros e pessoas passavam ao seu lado e tudo parecia mover-se em câmera lenta.
Como eu começo?
Esperou no hall, ele tinha dado autorização para esperá-lo enquanto não chegava do trabalho. Ficou ali, por quase uma hora, olhava a mesa de mosaicos e no momento em que ele entrou já sabia exatamente quantos pedaços amarelos havia naquele desenho. Ela o chamou por telefone, não agüentava mais controlar suas emoções, não era mulher para um caso passageiro, queria deixar isso bem claro. Quase um mes sem vê-lo, evitava ir aos lugares que sabia que poderia encontrá-lo, fugia dos encontros com os amigos em comum. Mas seu rosto, sua boca, seu cheiro, seus olhos verdes, tudo estava gravado em sua memória.
Ele ta diferente...
Era baixinha, difícil de ser notada, a não ser pela sua capacidade de chamar atenção ficando amiga de todo mundo que cruzasse sua frente. Suas atitudes, sensatas ou insensatas. Ela culpava o seu signo.
Aquariana! Ascendente em Escorpião
Tinha acordado cedo e foi ao salão cortar as pontas duplas (quase quatro dedos, até chorou!) Fez escova, se pintou e só por precaução colocou uma calcinha sexy.
Sei que vai me receber blasé como sempre seu mimadinho, mas depois do que eu ensaiei para te falar, você será apenas um Zé Ninguém, jogado no meio desses teus cachorros fedorentos, remoendo suas lembranças com aquela professorinha de merda e eu vou voltar pra casa, linda, perfumada e vou escolher um cara qualquer da minha agenda e vou dar pra ele, você vai ver, você vai ver!
- Oi minha linda. Quanto tempo! Cortou o cabelo?
- ...Não! Impressão sua!- Que saudade...
- ...É, eu também!
Idiota, não me abraçaa assim. Me trata mal...
Subiram. Ele serviu cerveja gelada. Ela ensaiou recusar. Acabou cedendo. Mandou ela escolher um CD e ela optou pela rįdio. Na parede, fotos dele e da ex-namorada, tempos diferentes, os cortes de cabelo entregavam o tempo daquela relação. Viagens internacionais, souvenirs, lembranças por toda parte.
Mal conheço a Argentina... E esse monte de almofadas no chão, coleção de DVDs, CDs por toda parte? Aqui é um matadouro nćo é? Desgraçado! Aposto que começa a comer essas vagabundas aqui, depois leva para o quarto, foi assim comigo...
- Diga!
- O qué?
- Sei lį... Qualquer coisa...
- Hum... Qualquer coisa... (silêncio)
- Hum... Engraçadinha, você me disse que tinha um "assuntinho" pra falar comigo... Bom, vou tomar banho, quando voltar quero saber de tudo, hein? Você se importa?
- Não, não, imagina.
Assuntinho é? Odeio diminutivos.
A sala tinha um espelho grande. Passeou as mãos pelos CDs e pensou em colocar uma música pra tomar coragem. As músicas sempre a ajudavam. Quando era novinha adorava criar trilhas sonoras pra si, gravava fitas cassetes e escrevia nas etiquetas: MŚSICAS LENTAS, HOUSE, A GATA COMEU INTERNACIONAL...
Sentia o cheiro do xampu descendo o ralo do banheiro.
Me chama pra tomar banho com você! Nćo, sai logo daķ que eu tenho uma verdade pra te falar! A grande verdade que o "assuntinho" é... É que eu te amo seu escroto, galinha, olho pra vocź e meu coração dispara, minhas mãos ficam suadas e de repente o mundo fica mais justo, democrático, conheço a fantasia, o sonho. Adoro seu sorriso sem mostrar os dentes, suas pernas curtas e tua barba roçando meu rosto seu imbecil, filho da mãe. Eu te amo mais do que aquela vadia que já te corneava quando vocês ainda estavam juntos e vinha com papinho pseudomoderno de relacionamento aberto.
O telefone tocou sem parar: o da casa, o celular deixado em cima da mesa, barulhinhos diferentes pra cada chamada. Ela desejou atender o telefonema da ex, e falar "ele não quer mais você, é meu, meu!" Acabou indo em direção ao espelho grande na parede e se olhou. A cerveja subiu rápido, por um momento tudo girou, pegou o celular dele e viu nomes de vįrias mulheres diferentes, todas em diminutivos. Viu o seu e estava escrito: Aninha.
Sentiu-se tão pequena, nada especial, como ele era pra ela. Parecia que as fotos olhavam pra ela e ficou incomodada. Foi até a cozinha, abriu a torneira e jogou įgua no cabelo, ia sair pelos fundos, mas voltou, escreveu um bilhete e deixou em cima da mesa. Levemente, tomando cuidado pra não fazer barulho, foi até a varanda e apoiou os cotovelos no parapeito, debruēou o rosto na palma das mćos. Os cabelos molhados caíram sobre os olhos, e então, olhou o horizonte. Ainda era horário de verão, quase oito horas da noite e ainda era possível ver no céu rajadas de raios de sol parecendo labaredas de fogo. A sensação era de que estava em um quadro, numa pintura. E antes que ele saísse do banho, ela foi embora, olhou o bilhete e certificou-se que estaria visível quando ele procurasse por ela.
Saiu descalça, sem escova no cabelo. Ele ligou para o seu celular, ela não atendeu. Deve ter lido o bilhete, pensou. Foi até a padaria da esquina e comprou um picolé. Passou na frente de um grupo de homens e tirou com todo o prazer a calcinha da bunda, sentiu-se vulgar e também desejada.
Preciso pensar numa música.

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